🎬 Crítica Técnica: Todo Tempo que Temos (John Crowley, 2024), por Daniel Esteves de Barros.
Nota: ★★★★ (4/5)
É, aconteceu de novo! Outra produção a qual este que vos escreve assiste descarada e unicamente por ser protagonizada por Florence Pugh! Todavia, aqui, consigo fazer um mea culpa: havia um interesse técnico, a montagem sintática de Justine Wright, que explora, de forma não linear, as diversas fases da vida do casal formado pela já mencionada atriz e por Andrew Garfield;
Aliás, Todo Tempo que Temos é um belíssimo exemplo de que uma obra fílmica eficiente deve focar, antes da trama a ser narrada, no modo como ela será desenvolvida por sua estrutura narrativa, evidenciando que, em um filme, a forma de contar a história é sempre mais relevante do que o conteúdo que ela carrega.
Dirigido por John Crowley e protagonizado por Florence Pugh e Andrew Garfield, a produção se apresenta como uma reflexão sobre o tempo, o amor e as adversidades, utilizando a já mencionada montagem não linear e os elementos visuais como ferramentas primordiais para contar sua história.
Montagem Não Linear e Estrutura Narrativa
O primeiro grande lampejo técnico de Todo Tempo que Temos é a sua montagem, assinada por Justine Wright. O trabalho não linear é uma escolha arriscada, mas perfeitamente adequada para a proposta do filme, o que o impede de cair na armadilha da monotonia. Como uma obra de estrutura episódica, o filme poderia facilmente se perder na repetição, mas, ao optar por alternar entre os momentos felizes e os mais apreensivos, ele mantém a tensão e o envolvimento do público, ao mesmo tempo em que explora as diferentes fases da vida do casal, Almut (Pugh) e Tobias (Garfield).
É interessante notar que, ao contrário do que poderíamos esperar de um filme sobre a luta contra uma doença, o foco não está na enfermidade em si, mas sim no relacionamento dos personagens e nas decisões que eles tomam sobre como viver da melhor forma possível com o tempo que lhes é dado. A doença de Almut é quase secundária, o que é uma escolha surpreendentemente sagaz, pois a produção evita de se tornar uma história de sofrimento e lágrimas no estilo de A Culpa é das Estrelasou A Cinco Passos de Você. O filme se aproxima mais de obras como As Invasões Bárbaras, com uma abordagem mais madura e introspectiva.
Atuação: O Poder de Florence Pugh
Não há como negar que o filme é, em grande parte, carregado pela impressionante performance de Florence Pugh. Como sempre, a atriz traz uma naturalidade inacreditável aos seus papéis, e, em Todo Tempo que Temos, ela domina a tela sem jamais soar artificial. Sua capacidade de controlar o seu tom de voz e as suas expressões faciais em momentos cruciais, como o parto ou o tratamento da doença, é uma das marcas registradas de sua atuação. A forma como ela transita por diferentes fases da personagem, desde a sua juventude até sua luta contra a doença, é simplesmente magistral. Pugh consegue comunicar mais com um olhar do que muitos atores conseguem com diálogos complexos, o que é uma prova de sua maestria.
Por outro lado, Andrew Garfield também entrega uma performance consistente e sensível. Ele cria um Tobias mais introspectivo e tímido, cuja fragilidade emocional frente à doença de Almut é palpável. A interação entre os dois é o coração do filme, e a química entre os atores faz com que o romance seja magnético, mesmo nas situações mais tensas. Garfield também é eficaz ao retratar a luta interna de Tobias ao tentar equilibrar o desejo de cuidar da esposa com suas próprias necessidades e emoções, o que confere profundidade ao seu personagem.
Direção e Coesão Visual
John Crowley, conhecido por seu trabalho em Brooklyn, faz uma direção comedida, mas eficiente, no comando de Todo Tempo que Temos. Ele é responsável pela coesão de todos os elementos visuais – figurino, cabelo, fotografia e, claro, a montagem. Cada detalhe parece cuidadosamente planejado para refletir as mudanças na dinâmica do casal, sendo visíveis não apenas nas performances dos atores, mas também no uso das cores, no figurino e nas locações.
Os cortes de cabelo, por exemplo, não são meramente estéticos, mas sim um reflexo do estado emocional de Almut. A transição de um estilo mais jovem e ousado, para algo mais conservador e finalmente, o corte raspado, acompanha a jornada emocional e física da personagem. O figurino de Tobias, por outro lado, reflete sua natureza mais contida e conservadora, contrastando com a liberdade e o estilo mais arrojado de Almut. Esses detalhes, aparentemente pequenos, adicionam uma camada de complexidade à história e à narrativa.
Fotografia e Paleta de Cores
A fotografia de Stuart Bentley também é um ponto alto do filme. A escolha das cores desempenha um papel fundamental na narrativa visual, com a paleta de cores mais vivas e saturadas refletindo os momentos do passado do casal, quando a vida ainda parecia cheia de possibilidades. Em contraste, o presente é filmado com tons mais frios, cinzas e dessaturados, refletindo a luta da personagem principal e a tensão do presente. A escolha da fotografia não apenas complementa a estrutura narrativa não linear, mas também intensifica a experiência emocional do espectador, guiando-o nas transições temporais de forma quase imperceptível.
O Clichê e a Subtrama
Embora o filme acerte em muitos aspectos técnicos, não se pode deixar de apontar um deslize: o clichê da esposa ambiciosa versus o marido que deseja mais tempo familiar. Embora esta subtrama seja uma tentativa de criar um dilema moral, ela nunca é realmente resolvida de maneira satisfatória, o que a torna um tanto dispensável. A falta de resolução aqui enfraquece um pouco a força da narrativa, deixando o público com a sensação de que o filme poderia ter explorado mais profundamente essa questão, mas optou por se focar mais no romance central.
Conclusão
Todo Tempo que Temos é uma obra cinematográfica que nos lembra que a forma de contar uma história é ainda mais significativa do que a própria história em si. A escolha pela montagem não linear, a atuação brilhante de Florence Pugh e Andrew Garfield, e a direção de John Crowley criam uma obra profundamente sensível e reflexiva sobre o amor, o tempo e as escolhas que fazemos. Embora o filme não escape a um clichê de enredo e deixe uma subtrama em aberto, a sua estrutura narrativa e o desempenho dos atores fazem com que, mesmo nas suas poucas falhas, ele seja uma experiência cinematográfica bastante envolvente e memorável.


